terça-feira, 8 de julho de 2008

Visita à Quinta da Torre, 6 de Julho de 2008



O MODO DE PRODUÇÃO BIOLÓGICO – UM DEPOIMENTO

Nota de abertura: geralmente não é erro afirmar; mas afirmar às vezes dá é maior evidência ao erro do que confirmação para o que é dito. Assim foi o que aconteceu depois de ter na primeira parte deste meu depoimento referido os diminutos danos do tripes no bananal. Pois a verdade é que tivemos neste inverno a encarniçada acção dessa pequeníssima mosquinha preta sobre uma parte do bananal da quinta. Devo acrescentar o problema dos ratos, que vai assumindo preocupante gravidade, e para cuja resolução somam-se obstáculos ao invés de realizações favoráveis.


A actualmente chamada de Quinta da Torre é uma parcela entre outras propriedades vinculadas a partir do século XVII e administradas como tal até à extinção dos morgadios no século XIX. O último morgado foi André Manuel Álvares Cabral, pai de André Álvares Cabral, que, já só da parte que lhe coube dos bens legítimos, e destruindo a capela e a casa antigas, fez edificar em 1864 a casa actualmente existente mais o jardim em frente.

Sendo muitos filhos e netos, foi a casa e quinta posta em arrematação pública, sendo comprada, creio que no final dos anos vinte do século passado, por um dos herdeiros, Manuel Álvares Cabral, meu Tio Avô, que precisou de usar da disponibilidade de pessoa amiga para o efeito. A filha, a quem pela muita amizada chamávamos de Tia, Manuela Canavarro Álvares Cabral Ataíde, doou esta propriedade às minhas duas Irmãs, ao meu Irmão e a mim, há já uns trinta anos talvez, mantendo o usofruto enquanto viva.

O conjunto edificado consta da casa principal, com granel, adega e cisterna, mirante posicionado para servir de controlo da navegação em aproximação da costa, com pau de bandeira para comunicação com outros postos de observação (a defesa da ilha estava na generalidade a cargo de pequenas forças de milícias organizadas nas várias localidades). Constam várias dependências domésticas e de criação de animais, nitreira e garagem (ambas dos anos trinta), antigas cavalariças muito destruídas, casa da madeira, duas habitações e três ruínas junto ao caminho, e ainda uma pequena casa dentro da propriedade reconstruída há poucos anos para apoio ao gado. Há também as ruínas da pequena fábrica de colorau. Várias ruas altas em pedra seca permitem a circulação interna.

A propriedade tem uma pequena matinha de incensos com alguns exemplares de espécies autóctones (Myrica faya, Laurus azorica, Picconia azorica).
A parte propriamente da antiga quinta de laranjas, com bananal, citrinos, especialmente mandarina e tangerina, e algumas outras fruteiras defendidas pelas tradicionais sebes altas de incenso, bânksia, barrileira e faia-da-terra, está hoje restrita a uma área mais pequena daquela que foi até há uns vinte e cinco anos atrás.
Parte do que tinha árvores de fruto foi apascentado nos anos setenta e oitenta. Apascentada também foi uma área tradicionalmente ocupada com a produção de milho e outras culturas de rotação.

Dantes a vinha ocupava os terrenos todos acima e abaixo do mirante. Hoje está restrita à rua alta de acesso ao mirante e ao terreno junto à casa logo acima da estrada regional.
Temos gado da terra, identificado modernamente como “Ramo Grande” (na quinta duas vacas com as respectivas crias até aos 5 ou 6 meses, estando o núcleo principal actualmente nos Lourais), galinhas diversas, poedeiras, riolas, as chamadas “galinhas da Madeira”, tabacas, alguns patos e gansos, coelhos e pombas.

Diminuímos entretanto alguma área de pastagem ocupada agora com produções tradicionais em consociações e rotações: o milho amarelo da terra, algumas variedades antigas de feijão, de ervilha e de fava, o tremoço, o inhame, a batata, a batata-doce, o amendoim, etc..

Temos vindo a multiplicar aromáticas diversas, sendo algumas, aliás, espontâneas em S.Miguel.

As abelhas para ajudar na polinização das flores e para produção de mel estão instaladas em cinco colmeias.

A manutenção e recuperação de ruas e muros de pedra seca, assim como a conservação do demais edificado constituem uma sobrecarga na gestão propriamente agrícola.
A opção pelo modo de produção biológico tem sido um inequívoco factor de sustentabilidade do conjunto.

À vitalidade e sustentabilidade internas há que juntar a vontade, o interesse, a opção, pela aquisição e pelo consumo dos produtos agrícolas já disponíveis em modo de produção biológico em S.Miguel. São aliás vários os núcleos em produção certificada actualmente na ilha.

Razões espúrias, proliferados preconceitos, falta de diálogo, de idoneidade e de coragem para afrontar a avassaladora destruição de recursos no planeta ao assustador ritmo do brutal, decadente, irracional modo de produção e de distribuição burguês, logram fazer dum corpo moribundo no estertor ainda muito mal a muitos em boa parte evitável se para tal nos precavermos.

Obrigado.

Pedro Albergaria Leite Pacheco

(Publicado no boletim dos Amigos dos Açores "Vidália", nº 29, 2008)