sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A energia nuclear não é segura, não é limpa, nunca foi um tabu e não protege dos choques petrolíferos


O nuclear e os enganos do senhor deputado

Aníbal Fernandes
Engenheiro electrotécnico. CEO da Eólicas de Portugal


O eurodeputado José Ribeiro e Castro escreveu neste jornal um extenso artigo ("Nuclear, pois claro!", 22/7/08) em que defendeu a energia nuclear com base em vários enganos que con­vém esclarecer.


1° engano - Com a energia nuclear, Portugal estaria menos vulnerável à actual crise internacional.


O custo médio da produção eléctrica em Julho 2007 com o petróleo a 70 dólares era (em euros por MWh): França, 30; Alemanha, 37,5; Espanha, 39; Portugal, 45.
Estes custos, em Julho 2008, com o barril a 140 dólares, passaram para: França, 70; Alemanha, 75; Espanha, 68; Portugal, 73. Estes números mostram que o aumento dos custos médios de produção se revelaram mais vulneráveis na proporção inversa da sua capacidade nuclear (França, 59 reactores; Alemanha, 17; Espanha, 9; e Portugal, O). Estes são factos, não palpites.

2° engano - O nuclear é uma energia segura.


A produção da energia nuclear baseia-se na cisão de um isótopo radioactivo. Uma vez provocada a reacção, as temperaturas aumentam indefinidamente até valores a que nenhum material pode resistir. Há pois que controlar esta reacção de modo a que se produza a energia neces­sária para o accionamento da turbina e nunca mais que isso. A perigosidade do processo resulta da sua própria natureza e os riscos estão totalmente ligados à fiabilida­de dos mecanismos de controlo. Sejam eles humanos ou técnicos. Uma pequena falha de um sistema pode assumir aqui proporções catastróficas. Por muito seguras que se­jam as instalações, ninguém pode negar a possibilidade de um acidente, mesmo que a probabilidade seja míni­ma. E os cada vez mais frequentes acidentes ocorridos nos últimos meses em instalações da França (Tricastin), Alemanha (Ass), Espanha (Tarragona) e Suécia (Forsmark) aí estão para demonstrar a fragilidade dos mecanismos de controlo.

3° engano - O nuclear tem de deixar de ser um tabu.

Entre 1978 e 1984, teve lugar a discussão e preparação do PEN (Plano Energético Nacional). Foram seis anos de intensas discussões técnicas, envolvendo inúmeras enti­dades: Assembleia da República, CGR, direcções-gerais, municípios, Banco Mundial, empresas energéticas, entidades académicas, LNETI, etc. E concluiu-se pela instalação de três reactores em Portugal. O Conselho de Ministros de Julho de 84 rejeitou o relatório. E a população também. Veementemente, aliás.
Se houve energia que foi ampla, técnica e publicamen­te debatida e escrutinada, foi a energia nuclear. Dizer o contrário é um sound byte.

4° engano - A energia nuclear é limpa.

A única energia limpa é a que não é consumida. Por isso, seria correcto mostrar o seu comportamento em toda a cadeia de produção, desde a fase de mineração até à arma­zenagem dos resíduos. E ficaria bem ao senhor deputado que, quando mencionasse as fatalidades que ocorrem nas minas de carvão, se não esquecesse das que ocorrem nas minas de urânio. Para obter um quilo de urânio é preciso extrair 45 milhões de toneladas de minério. E depois há que transportar e enriquecer este minério para o transfor­mar em combustível. Todo este processo é energívoro e poluente. Já sem falar do flagelo dos resíduos radioactivos que continuam ao fim de cinco décadas sem uma solução credível para a sua armazenagem segura.

Mas para apurar da "limpeza" do nuclear nem é preciso ir muito longe. Basta que o senhor deputado se desloque às minas da Urgeiriça munido de um dosímetro (as radiações não se vêem, não se sentem e não se cheiram) e verifique os níveis de radiação no local. Como deverá saber, está em conclusão um trabalho de requalificação ambiental do que é seguramente o maior desastre ecológico nacional. E que será pago não por quem comprou o minério há 30 anos atrás, mas por todos nós. E quando se surpreender com níveis 16 vezes superiores aos permitidos pela OMS, talvez entenda por que anda a morrer aquela gente.

Artigo do Público de dia 26 de Julho de 2008