sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Quem anda a meter água?


O místério da água desaparecida - ou o erro oficial?

Escrito por Ana Arruda, Diário dos Açores, 20 de Fevereiro de 2009


A ideia desta reportagem era perceber como é que os açorianos consomem tanta água - uma média de 390 litros por habitante, mais do dobro da média nacional. Parece que conseguimos - e, apesar dos açorianos consumirem água a mais, tudo indica que se trata de um erro estatístico, que no entanto passou por todos os intervenientes. Menos pelo Diário...
Primeiro o Governo Regional. Álamo Menezes, Secretário Regional do Ambiente e do Mar, contestou os dados do INE, chamando-os de "irreais". Mas apesar de ter afirmado recentemente que 6 das nove ilhas do arquipélago podem entrar numa situação de ruptura em relação ao abastecimento de água, não apresentou outros números. E foi dizendo que provavelmente grande parte desse consumo de água exagerado na Região se devia à agricultura. "O facto de não haver uma discriminação por parte dos lavradores e agricultores na utilização da água (doméstica e agrícola) faz com que esse consumo seja elevado", explicou. E disse que muitos agricultores usam água doméstica, ou seja corrente, para lavar equipamentos.
Mas nada do que o Diário dos Açores conseguiu investigar ia nesse sentido. Jorge Rita, presidente da Associação Agrícola de São Miguel, corrobora que alguns lavradores e agricultores consomem água doméstica para fins agrícolas, nomeadamente lavar bilhas de leite, mas esse número "é muito reduzido". Jorge Rita afiançou que nas explorações agrícolas micaelenses é usada quase exclusivamente água agrícola, oriunda de nascentes e das chuvas, mesmo porque, confessou, seria desperdício usar água doméstica quando há a possibilidade de consumir a agrícola. Que é, de resto, bem mais barata. "Apenas uma pequena franja usa água doméstica para limpar, por exemplo, instrumentos agrícolas", reiterou Jorge Rita, acrescentando que esse baixo número é difícil de quantificar.
Os dados descriminados dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Ponta Delgada (SMAS) avançaram ao DA, parecem confirmar as suas palavras: apenas cerca de 10% dos consumos neste concelho são a chamada "água agrícola" – mas os valores são muito inferiores aos que o INE apresenta. Neste concelho, cada pessoa gasta por dia, em consumo doméstico, 178 litros. Por outro lado, todo o gado consome diariamente 1.392 metros cúbicos de água. Jorge Nemésio, dos SMAS, alerta, contudo, para que se tenha cautela com os dados do INE, uma vez que, ao contrário de Ponta Delgada e de Angra do Heroísmo, casos que conhece de perto, muitas autarquias açorianas não fazem a diferenciação entre consumo doméstico e agrícola. Jorge Nemésio diz mesmo que os dados do INE não são fiáveis.
Como são esses dados obtidos? As câmaras fornecem-nos ao Instituto da Água, que está sedeado em Lisboa, este fornece-os ao INE, e este por sua vez fornece-os ao Serviço Regional de Estatística. Curiosamente, pelo caminho parecem perder-se ou ganhar-se alguns litros…
Fernanda Gomes, do Instituto da Água, considera também que os valores dos Açores são elevados, tendo em conta a população, mas também acredita que o elevado consumo esteja relacionado com a agro-pecuária e com actividades de rega. De acordo com aquela engenheira, os últimos dados relativos aos Açores estipulavam que cada açoriano gastava por dia 317 litros por dia. Tendo em conta que a média nacional, segundo dados do INE, é de 149 litros por dia, seria à mesma um valor elevado.
Mas poderá realmente ser a agro-pecuária responsável por esse excedente? Um dos muitos estudos realizados nos Açores nos últimos anos é o Plano Regional da Água e aí as surpresas são grandes. Segundo aquele Plano, em 2006, cada açoriano deveria consumir 170 litros por dia, com base numa população de 251 mil a 254 mil habitantes. O mesmo Plano Regional de Água previa que, em 2020, cada ilhéu gastasse em média por dia 220 litros, numa população que rondaria as 269 mil pessoas. Evidentemente que este cenário está completamente ultrapassado (em 2009, temos ainda menos de 243 mil habitantes e os consumos oficiais são já quase o dobro da sua projecção para 2020).
Mas se o Plano pode servir ainda para alguma coisa, isso será perceber qual a média de consumo que cada bovino normalmente representa. E naquele documento, a média será de 60 litros por dia. A ter esse dado como certo, isso significa que os cerca de 240 mil bovinos que a Região tem consumiriam cerca de 5,2 milhões de metros cúbicos de água. Ora, esse valor representa apenas cerca de 15% do total de 34,7 milhões de metros cúbicos que o INE apresenta como valores oficiais.
Ou seja, alguma – ou muita – coisa não bate certo.
Comparando os dados de consumo dos últimos anos, verifica-se que os valores sempre foram elevados, mas que deram um salto nos últimos anos. E que salto: entre 2005 e 2006, o consumo de água passou de 23 milhões de metros cúbicos para os 34 milhões actuais – ou seja, uma subida de 50%. Deveria ter sido notada por quem de direito, mas aparentemente não foi…
O que, de novo, parece desmentir a ideia de que é a lavoura a consumir muita água: entre 2005 e 2006 não houve qualquer aumento significativo de cabeças de gado. Mas o facto é que o aumento foi de mais de 11 milhões de metros cúbicos de água. E para se ter uma ideia do que isso representa, bastaria considerar que esse valor é mais do que consumiam todas as ilhas juntas à excepção de S. Miguel antes de 2006…
Segundo a estatística, esse aumento não se deu em todas as ilhas, mas apenas em duas (todas as restantes realmente até baixaram os consumos): S. Miguel e Terceira. Na Terceira a subida foi de 37,5%, o que já é imenso, mas S. Miguel rebenta com a escala: uma subida de 87% no espaço de um ano. O que faz com que S. Miguel tenha subido a sua quota parte de forma significativa: de 54% do total em 2005 para 68% actualmente.
E é quando se olha por concelhos que se começa a perceber realmente onde o problema pode estar. Segundo os dados do INE, Ponta Delgada registou um crescimento de quase 200%, passando de 6,3 milhões de metros cúbicos para 18,6 milhões. Esses dados contrariam por completo os que o SMAS indica como sendo os reais: menos de 5 milhões por ano…
Aliás, um outro dado já poderia ter alertado os responsáveis para a possibilidade de haver um erro: a diferença entre o caudal captado e o consumo. É que, segundo os dados oficiais, foram captados 31 milhões de metros cúbicos, mas consumidos 34,7 milhões… A não ser que tivéssemos importado água, era uma simples impossibilidade técnica!
A nossa investigação pára aqui por impossibilidade de ir mais longe deixando ao leitor o seu natural direito de interpretar todos os factos que conseguimos apurar.

Comentário- Como não fizemos as contas, ficamos sem saber quem anda a meter água, o Governo, o INE, a jornalista,a Equipa Responsável pelo Plano Regional da Água?