terça-feira, 12 de maio de 2009

DEMOCRACIA E TOURADAS


A campanha contra a introdução da sorte de varas e de touradas de morte nos Açores, iniciativa do Blogue Terra Livre/CAES - Colectivo Açoriano de Ecologia Social e que contou, até ao momento, com a adesão de duas das principais associações açorianas, a Associação de Amigos dos Animais da Ilha Terceira e os Amigos dos Açores - Associação Ecológica, e do CADEP, de Santa Maria, tem constituído, para nós, uma surpresa. Surpresa pelo facto de ser um tema que tem unido pessoas de diferentes orientações politico - partidárias e de diferentes organizações de várias ilhas dos Açores, tanto junto dos defensores do bem- estar animal como dos partidários da introdução das práticas bárbaras e não tradicionais que são as touradas picadas e os touros de morte.
Surpresa (ou talvez não!) foi também o facto de haver quem tenha ficado escandalizado com as posições de quem se tem oposto à legalização da sorte de varas nos Açores, acusando - os de radicalismo e fanatismo. Claro que estas pessoas não assumem que estão do outro lado da barricada e pela "calada" ou pelo silêncio cúmplice vão apoiando a minoria assumida de pseudo- aficionados (tal como os classifica um promotor de corridas à portuguesa). Entre estes destacaríamos alguns "jornalistas" que protestam quando recebem mails dos opositores à sorte de varas e as “pretensas” associações de defesa do ambiente que pululam pelos Açores, com destaque para as principais, Montanheiros e Gê-questa, com sede na Terceira.
Em termos partidários, apenas o Bloco de Esquerda e o PCP já manifestaram a sua oposição à sorte de Varas, enquanto o PS e o PSD deram liberdade de voto aos seus deputados. A presidente do PSD declarou recentemente que a sua posição ainda não estava fechada, enquanto o presidente do PS e presidente do Governo Regional dos Açores, como Pilatos lavou as mãos, tendo declarado ser contra.
Curiosa, ou talvez não, é a união de alguns conservadores da ala direita e da ala esquerda, autoritária, do espectro político que, por minguarem-lhes os argumentos, consideram que a campanha é obra dos imperialistas micaelenses que querem acabar com a cultura do povo da Terceira.
A propósito do referido, importa registar que a única tradição verdadeiramente popular nos Açores está ligada ao culto do Espírito Santo, cujas festividades nem sempre foram (ou são) bem vistas pela hierarquia da Igreja Católica. Pelo contrário, a tauromaquia, excluindo as touradas à corda na ilha Terceira, é uma actividade económica que, de acordo com as informações disponíveis, só sobrevive graças aos apoios governamentais, directos e indirectos, e aos subsídios da Comunidade Europeia que, hipocritamente, fecha os olhos ao “mal-estar” animal.
Embora não sejamos adeptos de qualquer tipo de tourada, achamos que as touradas à corda valem pelo convívio que proporcionam enquanto consideramos imoral a venda, como espectáculo, da tortura infligida ao touro que são as touradas de praça. Assim, achamos que, não só pelos animais, mas também, pelo risco de vida que correm os próprios homens deveriam ser repensadas as primeiras e abolidas as segundas. Felizmente, nesta luta não estamos sós. Basta lermos João Ilhéu que fala na evolução que sofreram as touradas à corda ao longo dos tempos e outro ilustre, mas pouco conhecido, terceirense que foi o libertário Adriano Botelho que afirmou: ”fazem-se por outro lado, reclames entusiastas de espectáculos, como as touradas de praça o¬nde por simples prazer se martirizam animais e o¬nde os jorros de sangue quente, os urros de raiva e dor e os estertores da agonia só podem servir para perverter cada vez mais aqueles que se deleitam como aparato dessa luta bruta e violenta, sem qualquer razão que a justifique”.
A recente investida dos adeptos da tortura animal e outros foi precedida da tentativa de “exportar” para outras ilhas touradas à corda, de que são exemplo algumas touradas realizadas em São Miguel, sob o comando do forcado da cara Joaquim Pires, tendo por rabejador o presidente da Câmara Municipal da Lagoa, João Ponte. Em abono da verdade, todas as investidas têm em comum o facto de tentarem impor o que nem é tradição e tentarem expandir um negócio que não estará a correr bem ou que se insere na lógica capitalista de crescer a todo o custo, desrespeitando animais e pessoas.
Se os açorianos tivessem paciência para consultar os manifestos e os programas eleitorais dos diversos partidos que se candidataram às últimas eleições facilmente chegariam à conclusão de que o tema legalização da sorte de varas não fazia parte dos mesmos.
Tratando-se de uma questão de vital importância para a região, no dizer dos seus defensores, e que divide a sociedade açoriana que é maioritariamente contra, pelo menos é o que dizem todas as sondagens de opinião realizadas até aqui, o mínimo que se exigia aos deputados seria uma consulta aos seus eleitores.
Mas, os nossos deputados, embevecidos com a democracia parlamentar, achando-se donos da vontade dos eleitores, aprovam nas costas destes o que nunca disseram que iriam fazer. Seria injusto não registar, aqui, que de 4 em 4 anos há um momento em que os nossos deputados se aproximam do povo, calcorreando as ruas dos Açores, prometem ao povo o que sabem de antemão que não vão cumprir, para além de distribuírem camisolas, esferográficas, abraços e beijos.
Hoje, infelizmente não só nos Açores, a falta de dignidade da chamada classe política, associada à incultura e alheamento dos cidadãos eleitores, fazem com que em diversos cargos se perpetuem pessoas que, ao contrário de viverem para a política, vivem dela.
Mas o que terá levado a que 26 “magníficos” deputados apresentassem uma proposta legislativa no sentido de legalizar a sorte de varas, prática não tradicional, bárbara, aspiração de uma minoria e vergonhosa para a região, caso seja aprovada?
Cremos que em alguns casos, não falamos aqui nos que são sádicos, a apresentação da proposta foi uma atitude impensada de desrespeito pelo bem-estar animal e pelo querer das pessoas de bom senso, confiantes que sairiam impunes perante a opinião pública açoriana, nacional e internacional.
No passado dia 7 de Maio, a Comissão Parlamentar de Assuntos Sociais da Assembleia Legislativa dos Açores aprovou, com seis votos a favor (três do PS e três do PSD) e quatro votos contra (todos os PS), tendo sido ainda registadas duas abstenções (uma do CDS/PP e uma do PSD) o projecto de decreto legislativo regional que legaliza as corridas de touros picadas no arquipélago. Assim sendo, poderemos assistir, em breve, a um “retrocesso civilizacional” se não continuarmos a campanha de sensibilização para a necessidade de promover uma educação, cultura e legislação que respeitem os seres humanos e garantam os direitos dos animais.

Vamos desertar do medo e reforçar a luta contra o capitalismo, responsável pelo actual modelo de produção e consumo, que só sobrevive violando os direitos humanos e ambientais da maior parte da humanidade e causando sofrimento desnecessário aos animais.

(Síntese de textos anteriores)
TB