sexta-feira, 1 de maio de 2009

A GRIPE SUÍNA E O MONSTRUOSO PODER DA INDÚSTRIA PECUÁRIA

Mike Davis


A gripe suína mexicana, uma quimera genética provavelmente concebido na lama fecal de um criadouro industrial, ameaça subitamente o mundo inteiro com uma febre. Os brotos na América do Norte revelam uma infecção que está viajando já em maior velocidade do que aquela que viajou a última cepa pandêmica oficial, a gripe de Hong Kong, em 1968.

Roubando o protagonismo de nosso último assassino oficial, o vírus H5N1, este vírus suíno representa uma ameaça de magnitude desconhecida. Parece menos letal que o SARS (Síndrome Respiratória Aguda, na sigla em inglês) em 2003, mas como gripe, poderia resultar mais duradoura que a SARS. Dado que as domesticadas gripes estacionais de tipo “A” matam nada menos do que um milhão de pessoas ao ano, mesmo um modesto incremento de virulência, poderia produzir uma carnificina equivalente a uma guerra importante.

Uma de suas primeiras vítimas foi a fé consoladora, predicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na possibilidade de conter as pandemias com respostas imediatas das burocracias sanitárias e independentemente da qualidade da saúde pública local. Desde as primeiras mortes causadas pelo H5N1 em 1997, em Hong Kong, a OMS, com o apoio da maioria das administrações nacionais de saúde, promoveu uma estratégia centrada na identificação e isolamento de uma cepa pandêmica em seu raio local de eclosão, seguida de uma massiva administração de antivirais e, se disponíveis, vacinas para a população.

Uma legião de céticos criticou esse enfoque de contrainsurgência viral, assinalando que os micróbios podem agora voar ao redor do mundo – quase literalmente no caso da gripe aviária – muito mais rapidamente do que a OMS ou os funcionários locais podem reagir ao foco inicial. Esses especialistas observaram também o caráter primitivo, e às vezes inexistente, da vigilância da interface entre as enfermidades humanas e as animais. Mas o mito de uma intervenção audaciosa, preventiva (e barata) contra a gripe aviária resultou valiosíssimo para a causa dos países ricos que, como os Estados Unidos e a Inglaterra, preferem investir em suas próprias linhas Maginot biológicas, ao invés de incrementar drasticamente a ajuda às frentes epidêmicas avançadas de ultra mar. Tampouco teve preço esse mito para as grandes transnacionais farmacêuticas, envolvidas em uma guerra sem quartel com as exigências dos países em desenvolvimento empenhados em exigir a produção pública de antivirais genéricos fundamentais como o Tamiflu, patenteado pela Roche.

A versão da OMS e dos centros de controle de enfermidades, que já trabalha com a hipótese de uma pandemia, sem maior necessidade de novos investimentos massivos em vigilância sanitária, infraestrutura científica e reguladora, saúde pública básica e acesso global a medicamentos vitais, será agora decisivamente posta a prova pela gripe suína e talvez averigüemos que pertence à mesma categoria de gestão de risco que os títulos e obrigações de Madoff. Não é tão difícil que fracasse o sistema de alertas levando em conta que ele simplesmente não existe. Nem sequer na América do Norte e na União Européia.

Não chega a ser surpreendente que o México careça tanto de capacidade como de vontade política para administrar enfermidades avícolas ou pecuárias, pois a situação só é um pouco melhor ao norte da fronteira, onde a vigilância se desfaz em um infeliz mosaico de jurisdições estatais e as grandes empresas pecuárias enfrentam as regras sanitárias com o mesmo desprezo com que tratam aos trabalhadores e aos animais.

Analogamente, uma década inteira de advertências dos cientistas fracassou em garantir transferências de sofisticadas tecnologias virais experimentais aos países situados nas rotas pandêmicas mais prováveis. O México conta com especialistas sanitários de reputação mundial, mas tem que enviar as amostras a um laboratório de Winnipeg para decifrar o genoma do vírus. Assim se perdeu toda uma semana.

Mas ninguém ficou menos alerta que as autoridades de controle de enfermidades em Atlanta. Segundo o Washington Post, o CDC (Centro de Controle de Doenças) só percebeu o problema seis dias depois de o México ter começado a impor medidas de urgência. Não há desculpas para justificar esse atraso. O paradoxal desta gripe suína é que, mesmo que totalmente inesperada, tenha sido prognosticada com grande precisão. Há seis anos, a revista Science publicou um artigo importante mostrando que “após anos de estabilidade, o vírus da gripe suína da América do Norte tinha dado um salto evolutivo vertiginoso”.

Desde sua identificação durante a Grande Depressão, o vírus H1N1 da gripe suína só havia experimentado uma ligeira mudança de seu genoma original. Em 1998, uma variedade muito patógena começou a dizimar porcas em uma granja da Carolina do Norte, e começaram a surgir novas e mais virulentas versões ano após ano, incluindo uma variante do H1N1 que continha os genes do H3N2 (causador da outra gripe de tipo A com capacidade de contágio entre humanos).

Os cientistas entrevistados pela Science mostravam-se preocupados com a possibilidade de que um desses híbridos pudesse se transformar em um vírus de gripe humana – acredita-se que as pandemias de 1957 e de 1968 foram causadas por uma mistura de genes aviários e humanos forjada no interior de organismos de porcos – e defendiam a criação urgente de um sistema oficial de vigilância para a gripe suína: advertência, cabe dizer, que encontrou ouvidos surdos em Washington, que achava mais importante então despejar bilhões de dólares no sumidouro das fantasias bioterroristas.

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