quarta-feira, 27 de maio de 2009

Polémica na Ribeira Grande: Obra destrói elevação vulcânica



Está a ganhar força a polémica sobre a construção pela Câmara da Ribeira Grande de uma estação colectora de água no cimo de uma elevação vulcânica na zona entre o Mato Resendes e o Ramal do Pico da Pedra, visível da via rápida entre Ponta Delgada e a cidade do Norte de São Miguel. Um dos deputados municipais do PS, Hermano Cordeiro, vai insistir na Assembleia Municipal de Junho com a Câmara para que explique todo o processo que levou à hedionda destruição daquela rara e maravilhosa paisagem quando teria outras alternativas para a construção dos depósitos de água. O presidente da Câmara diz que estão a ser tomadas todas as medidas para reduzir o impacto da obra na zona.

Ambientalistas e especialistas em vulcanologia têm-se insurgido contra a construção camarária que consideram um aborto inqualificável e mais um crime grave contra o património natural da ilha.

É opinião generalizada que a obra da Câmara Municipal da Ribeira Grande destruiu um dos pequenos fornos (hornítos) da zona. Trata-se de manifestações vulcânicas curiosas e raras, caracterizadas por não possuírem uma conduta central lávica de alimentação profunda, mas sim, superficial, e por constituírem pequenos vulcões com actividade muito limitada cerca de 4/5 dias de erupção, e da qual resultou a projecção de fragmentos de lava (spatter), que se acumulam à superfície, dando origem a um pequeno cone de salpicos de lava, de contorno circular.

A polémica foi levada à última reunião da Assembleia Municipal da Ribeira Grande por Hermano Manuel Pereira Cordeiro, um dos deputados municipais socialistas, que não poupou críticas à Câmara presidida por Ricardo Silva, eleito pelo PS.

Hermano Cordeiro considera que as pequenas elevações, pela sua forma arredondada, parecem-se com os seios de uma mulher que conferem à paisagem envolvente, uma espécie de sensualidade mística, de que nos devíamos orgulhar e fazer tudo para manter.

Hedionda destruição

O deputado municipal socialista insurge-se contra a completa e hedionda destruição daquela rara e maravilhosa paisagem, nos escombros da qual se está a construir uma inestética construção de uma estação colectora de água para abastecimento das freguesias da zona poente do concelho da Ribeira Grande (Pico da Pedra e Calhetas).
Longe de mim, refere Hermano Cordeiro, condenar todas as obras necessárias ao abastecimento de água das populações até porque se trata de um bem essencial, de primeira necessidade e indispensável à vida.

Aceita que a estação, em obediência a critérios de natureza técnica, não poderia ter sido construída a uma cota inferior. Mas, completa, havia outros locais nas redondezas, à mesma cota, onde poderia ter sido localizada aquela construção, de uma forma mais dissimulada e menos ofensiva à nossa sensibilidade estética e visual.

E o deputado municipal ribeira-grandense do PS continua: Será que a Câmara Municipal tem a noção de que está a destruir, em poucos dias, o cenário e vestígios de uma actividade natural que levou milhares, quiçá, milhões de anos a formar?.

Será que já não bastavam todos os atropelos que se têm verificado, ao longo dos anos, no património natural da Ribeira Grande? Será que já não bastava ver o nosso emblemático Pico das Freiras esventrado e com morte anunciada, a curto prazo? Será que já não bastou ver as praias de Santa Bárbara, Rabo de Peixe e Ribeira Grande, entregues durante anos, com a ajuda e conivência da Câmara Municipal, à voracidade da construção civil de toda a ilha de São Miguel, enquanto a Praia do Pópulo, a Praia da Vinha da Areia, a Praia dÁgua de Alto ou a Praia da Ribeira Quente eram, ciosamente, preservadas pelos respectivos municípios? questões suscitadas por Hermano Manuel Pereira Cordeiro.

Sinceramente, prosseguiu, entristece-me constatar a falta de cuidado e de consciência ambiental que é dispensada a estas questões, por parte da nossa autarquia. Vai-se descaracterizando o nosso concelho, sem que ninguém se oponha. Por ignorância, servilismo, por medo de represálias políticas, não sei! salienta.
O deputado municipal mostra-se mesmo indignado com a Câmara da Ribeira Grande.

Quando não se sabe, deve ter-se a humildade para reconhecer a ignorância e perguntar a quem sabe, a quem tem conhecimentos. No caso, à Universidade dos Açores, por exemplo. E, depois, faz outras perguntas: Será que este projecto foi submetido a um estudo de impacto ambiental da obra? Ou esta exigência legal apenas se levanta quando estão em causa obras de privados?

Reparar o mal já feito

E Hermano Cordeiro deixa uma última questão: Será que a preservação do nosso património natural não é, também, prioritário e que devia receber dos nossos responsáveis a atenção devida, numa perspectiva de desenvolvimento sustentado do concelho e, até mesmo, de transmitir para as gerações vindouras um ambiente natural, harmonioso e autêntico?.

Finaliza fazendo uma recomendação à Câmara da Ribeira Grande, para que, embora tardiamente, consiga encontrar uma solução arquitectónica no sentido de dissimular a construção em apreço e dar, àquele conjunto, um arranjo paisagístico que lhe confira um mínimo de harmonia e dignidade, mesmo que, para tal tenha de recorrer a pessoas ou entidades exteriores à autarquia, e que tenham, reconhecidamente, competência na matéria.

É que, como sublinha, a natureza caprichou em dotar a Ribeira Grande com uma paisagem bela e grandiosa, onde o fenómeno vulcânico, que está na base da criação das nossas ilhas, se manifesta nas suas multi-facetadas vertentes. A orogenia do nosso concelho é um autêntico museu natural, um livro aberto de ciência que explica a história da génese física dos Açores.

Desde os vulcões extintos da Lagoa do Fogo e do Pico do Sapateiro, passando pelos geisers e sulfataras das Caldeiras e Caldeira Velha, pelos leitos basálticos das nossas ribeiras, feitas de lava solidificada, todas estas maravilhas são testemunho da acção telúrica, força imensa e criadora das nossas ilhas.

Fonte do Texto e Imagem: Correio dos Açores, 27 de Maio de 2009