domingo, 21 de novembro de 2010

Bem Vindos a Lisboa, a pérola da Nato



Hoje começou finalmente a Cimeira da Guerra e muito apropriadamente a
cidade de Lisboa assumiu as mecânicas de um estado de sítio para o qual
foi cuidadosamente preparada durante os últimos meses pelos governantes
do país e agentes da "autoridade".

Com a ajuda de jornalistas menos escrupulosos e jornalistas apenas
ignorantes (artigos DN por Valentina Marcelino, artigo Sol, e.o.) -
inoculando o público para tolerar as medidas e despesas aplicadas para
travar supostas ameaças de terroristas da Al-Qaeda, anarquistas, "outros
grupos de esquerda" ou, porque não, "pessoas vestidas de preto"- e gestos
dramáticos como a suspensão unilateral do Acordo de Schengen, a criação
de uma espécie de "Green Zone" na Expo e o cancelamento do concerto dos
Arcade Fire, o aparato de segurança da Cimeira deixou claro que Lisboa dá
as boas-vindas aos senhores da guerra, mas não estende o mesmo gesto aos
senhor@s da paz.

Duas centenas de activistas foram impedidos de entrar em território
português, sem uma boa justificação, violando o direito à liberdade de
opinião, de reunião e de expressão consagrado na carta internacional dos
direitos humanos. Entre os activistas proibidos de pisar território
português, estão os palhaços da Clown Army, um dos melhores exemplos de
protesto criativo não-violento e um grupo de objectores de consciência da
Finlândia.

Deslegitimando movimentos reconhecidamente pacifistas, as autoridades
conseguem muito eficazmente diminuir a participação de activistas bem
preparados, organizados e mediáticos e tentar assim desorientar o
protesto contra a Nato, abrindo caminho para o uso de medidas repressivas
indiscriminadas.

Não se trata do primeiro incidente de perversão da tradicional
hospitalidade portuguesa, mas é certamente o mais descarado.


Para perceber como chegamos a este clima fascista, passemos de relance os
principais episódios negros na história de Portugal-anfitrião de
pessoas-mais-importantes-que-nós:

* 2003: a Cimeira das Lajes - não obrigou ao corte de trânsito nas ruas
de Lisboa nem deu direito a ponte mas ditou a guerra do Iraque, ligando
para sempre Portugal a este crime irreparável. Ajudou também a salvar a
Nato da extinção, empenhando-a numa guerra com contornos místicos que
ecoam as cruzadas, onde o inimigo, para além do "herege" muçulmano, é
toda e qualquer pessoa não conformada.
* 2007: a Assinatura do Tratado de Lisboa - foi certamente caro, mas como
só estavam presentes europeus não foi preciso paralisar a cidade..
* 2009: a Cimeira Ibero Americana - aqui contámos com as eminentíssimas
presenças de senhores ultra-poderosos como o Obama e o secretário-geral
da Nato, por isso já deu para brincar com blindados e condicionamentos
de trânsito e ensaiar as técnicas dos SWAT. Também foi nesta cimeira que
se instituiu a tradição da tolerância de ponto em dias de visitas de
super VIPs.
* já em 2010: a Visita do Papa - atenção, está nesta lista não por se
tratar de um senhor da guerra (espero bem que não) mas porque a histeria
securitária do governo português atingiu novos patamares: uma cidade
paralisada, refém das decisões tomadas pelos seus governantes para
garantir a segurança de pessoas que, num mundo sem guerras e
desigualdades, podiam simplesmente usar os transportes públicos, como
fazem os primeiros ministros de países como Holanda, Dinamarca e Suécia.
O que podia ter sido um dia santo para quem gosta do Papa foi
transformado num dia de barulho infernal de helicópteros e sirenes, com a
cidade cortada ao meio durante mais de uma hora.Três coisas a reter
olhando para a lista de eventos histericamente apadrinhados pelo governo
português:

1. Proteger uma elite das imaginárias massas raivosas num mundo onde o
fosso que separa os ricos dos pobres se aprofunda é muito caro. Só para
a segurança dos amigos da Nato o estado português vai gastar perto de
dez milhões de euros.
A visita do Papa custou uns estimados 37 milhões de euros por dia,
incluindo, é verdade, três altares descartáveis :-)
2. Por outro lado, os gastos em segurança ajudam a alimentar um mercado
que emergiu com a guerra do Iraque, o da segurança doméstica (home
security), estimado em muitas centenas de milhares de milhões de euros
com um crescimento anti-cíclico (mais crise, mais mercado) e que está a
dar fôlego às sofridas bolsas financeiras. Os países ricos com mercados
saturados encontram neste novo mercado de choque a fórmula para manter o
crescimento a vários dígitos que segundo os analistas mais sensatos
deveria ser uma coisa do passado.
3. A cereja em cima do bolo: os produtos e serviços deste mercado são
largamente financiados pelos contribuintes!Entretanto fui dar uma volta
por Lisboa. As ruas estão desoladas e reina um silêncio que mais faz
lembrar um qualquer Domingo não fosse pela presença de coletes amarelo
fluorescente em cada esquina, bandos de agentes da PSP com postura
conspiradora em cada bairro, umas barreiras rua sim-rua não para
condicionar o pouco trânsito que se verifica e o zunzum de fundo dos
helicópteros. Por obediência ou medo, os portugueses refugiaram-se nas
suas casas. Nas ruas uma em cada duas pessoas é agente e a outra turista
(com ar ligeiramente perplexo).

Um mercado que lucra exclusivamente com as calamidades e estados de
sítio, precisa de investir continuamente na promoção de um mundo
inseguro. Portugal, o eterno bom aluno, conseguiu. Lisboa acatou o
recolher obrigatório, um circo pago com o nosso dinheiro, para proteger
pessoas-mais-importantes-que-nós que viram o futuro e decidiram que está
repleto de perigos indefinidos que merecem medidas de segurança mais
elevadas e a gradual limitação de direitos cívicos consagrados, como a
livre expressão de ideias, a livre reunião para as discutir e o livre
protesto não-violento para as exigir.

Bem-vindos a Lisboa, bem-vindos ao admirável mundo novo.

Fonte: http://supergreenme.blogspot.com/2010/11/sim-paz-nao-seguranca-domestica-e.html