quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A propósito de um presépio: as escolas também deseducam


Presépio nas Portas do Mar criado com leiva quando a apanha é proibida - Porque a leiva deve ser protegida deixe-a ficar no seu habitat natural!!!

O presépio que a Escola de Formação Turística e Hoteleira dos Açores criou para apresentar nas Portas do Mar no âmbito da iniciativa “Natal da Europa” foi feito com as conhecidas leivas, que são um musgo que é proibido apanhar nos Açores.

Na última semana o “Diário dos Açores” tentou contactar a Inspecção Regional do Ambiente sobre o conhecimento deste caso noticiado terça-feira passada e sobre eventuais consequências para os alegados infractores, mas tal resposta nunca nos foi facultada até ao fecho de edição.

A leiva é a espécie Sphagnum sp. e a proibição da sua apanha já tem vários anos e foi originada devido à sua grande utilização por parte dos produtores de ananases, o que estava a criar diversos problemas em várias zonas endémicas de montanha.

A nossa reportagem procurou perceber as razões que levaram à proibição de apanha desta espécie e consequências que a sua utilização indevida pode trazer.

Em conversa com um anterior dirigente e actual presidente da Associação Ecológica Amigos dos Açores, Teófilo Braga e Diogo Caetano, respectivamente, percebemos que esta foi uma luta que se desenrolou há muitos anos atrás. Com pressão internacional, da Comunidade Europeia, e com uma fiscalização local efectuada muitas vezes pelas próprias associações ONG conseguiu-se salvaguardar através da proibição desta espécie um elemento muito importante do ecossistema.

Mais a mais, utilizar-se agora esta espécie, embora em pequenas quantidades, pode significar, pelo seu simbolismo, um sinal de desinteresse pela educação ambiental que segundo Teófilo Braga se tem vindo a verificar pelo actual elenco governativo açoriano, no caso concreto pela pasta do ambiente.

A proibição da apanha da leiva consigna-se ao facto de este tipo de musgo só existir, maioritariamente, nas áreas protegidas, nomeadamente no Decreto Legislativo Regional n.º 19/2008/A, que estabelece e define o Parque Natural da Ilha de São Miguel.

O regulamento destas mesmas áreas proíbe a recolha deste tipo de musgos e Diogo Caetano explica as razões que relevam a importância do mesmo.

Quando a leiva está carregada 80% do seu peso é constituído por água, água que vai gotejar das zonas mais altas para as zonas mais baixas permitindo não só manter a humidade dos terrenos como contornar a incapacidade humana de impedir que a água vaze directamente para o mar. A leiva tem assim a capacidade de reter, durante algum tempo, a água e é este facto que permite o aspecto verde das paisagens que tanto são apreciadas nas ilhas dos Açores.

A título de exemplo, a escassez de água que se verificou recentemente na ilha Terceira resulta na alteração das zonas altas, onde as próprias pastagens não conseguem agora captar água uma vez que os aquíferos que estão nas zonas mais baixas não se recarregam.

Ou seja, não se trata apenas de uma questão de proibição da apanha numa zona protegida (em termos legislativos), mas também o facto de se estar a proteger os aquíferos. E Diogo Caetano mostra a sua posição de uma forma límpida ao referir que “as pessoas têm aquela percepção de que os presépios ficam bem com estes musgos mas esta é uma ideia desajustada hoje em dia”.

Teófilo Braga dá conta da utilização de leiva, há alguns anos atrás, sobretudo para o cultivo do ananás. Uma prática que, segundo referiu, até saía dispendiosa para os produtores. Mas ressalva um pormenor de extrema relevância. “As leivas eram extraídas essencialmente em duas zonas protegidas: na Serra Devassa, Sete Cidades, e na Reserva Natural da Lagoa do Fogo”.

Com as queixas apresentadas na Comunidade Europeia e com a intervenção do Governo Regional esta foi uma situação que, a muito custo na altura, se conseguiu resolver. Embora se tratasse de uma cultura tradicional nos Açores, o cultivo de ananás conseguiu encontrar formas alternativas mesmo para uma produção biológica.

Outro dos pontos a considerar, tal como o que se registou recentemente nas Portas do Mar: os presépios. Era comum as pessoas utilizarem pequenas quantidades de musgos para se enfeitar os presépios, sobretudo nas paróquias e nas Igrejas. Mesmo depois da proibição algumas igrejas continuaram a expor os seus presépios com a utilização deste tipo de musgos.

Para Teófilo Braga esta foi uma situação que se registou ainda há cerca de 5 ou 6 anos, mas que face a uma fiscalização feita pelo próprio e outros ambientalistas e consequentes denúncias efectuadas na Direcção Regional do Ambiente surtiu algum efeito.

O grande problema da utilização da leivas nos presépios resultava do facto de com estes musgos serem apanhadas outras espécies endémicas. O que não beneficia, obviamente, a protecção do ecossistema.

Quanto ao caso noticiado, Teófilo Braga salienta que embora não tivesse sido utilizada uma grande quantidade, em termos simbólicos não deveria ter sido usada”, esperando que esta não seja uma prática que se volte a instalar.

Para Teófilo Braga em termos de política de educação ambiental, desde o actual elenco governativo tem havido um desinvestimento na educação ambiental. Acrescenta mesmo que antes “havia a aposta no prosseguimento e na intensificação da educação ambiental o que veio a não se concretizar, antes pelo contrário”, disse.

O evento noticiado terminou terça-feira, dia 7 de Dezembro, no Pavilhão do Mar, e visava “abrir a Escola à comunidade local, sobretudo às crianças e aos mais desfavorecidos, contribuindo de uma forma diferente para a celebração do seu Natal”.

Texto: Marco Henriques

Fonte: http://www.diariodosacores.pt/