quinta-feira, 23 de junho de 2011

Incineração de Resíduos Sólidos Urbanos: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades



Segundo o Correio dos Açores de 19 de Maio de 2011, para Carlos César, Presidente do Governo Regional dos Açores, com o PEGRAA, a região atingirá, designadamente em S. Miguel, uma contribuição de 75% de energia proveniente de fontes renováveis para a produção e energia eléctrica. Ainda, de acordo com o mesmo matutino, para Álamo Menezes, Secretário Regional do Ambiente e do Mar, a aposta no sistema de tratamento de resíduos a ser implementado constitui “um investimento estratégico que pretende transformar os resíduos em valor, gerando riqueza nas ilhas”.
Poderíamos rebater as afirmações anteriores, mas não é esse o objectivo que perseguimos com o presente texto. Com efeito, decidimos dar a palavra a quem já teve responsabilidades nas políticas de ambiente e de energia nos Açores. Assim, primeiro divulgar o que pensavam os ex-secretários regionais, Hélder Silva e Ana Paula Marques e por último o ex-presidente do conselho de administração da EDA.
Para Hélder Silva, a incineração “não é solução para o problema dos lixos” por “razões “ambientais e económicas”. O projecto em questão “deixa clara a intenção de se manter a situação de recolha não selectiva de resíduos e de incineração indiferenciada de resíduos” que vai “aumentar o risco de emissões dos fumos e a perigosidade dos próprios resíduos a depositar num aterro de resíduos perigosos”. (1)
Ana Paula Marques, por sua vez, tem alterado a sua posição ao longo do tempo. Primeiro considerou que seria bom um sistema incinerador “amigo do ambiente” conjugado com métodos alternativos, visando a redução, reutilização e reciclagem. Mais tarde, considerou que “apesar de ser mais barato, do ponto de vista puramente económico e a curto prazo, colocar os resíduos dentro de uma incineradora e produzir energia eléctrica, se incluirmos as inegáveis vantagens ambientais de outras abordagens que incluam a redução, a reutilização e a reciclagem já temos grandes dúvidas”. (2)
Sendo a maior parte da propaganda (enganosa) das incineradoras a relacionada com a energia produzida, transcrevo a opinião de Neil Tangri, da Aliança Global de Alternativas às Incineradoras:
“Esta tecnologia é, muitas vezes, conhecida como produtora de Energia, visto poder produzir electricidade. No entanto, uma análise detalhada do ciclo de actividade revela que as incineradoras gastam mais energia do que produzem. Isto porque os produtos, que são incinerados, deverão ser substituídos por novos produtos. Extraindo e processando materiais virgens, transformando os em novos produtos, gasta-se muito mais Energia (causando também mais danos ao ambiente) do que produzir materiais reciclados.”
Por último, para ficarmos um pouco mais esclarecidos em relação à questão da energia produzida pelas incineradoras, que de acordo com algumas afirmações irá contribuir para a redução das importações de combustíveis fósseis, as palavras de Roberto Amaral, em resposta a uma leitora do Açoriano Oriental, são elucidativas:
“ … Estão neste momento a decorrer em S. Miguel vultuosos investimentos de prospecção de novos reservatórios geotérmicos e de novos poços de produção com vista, precisamente, a aumentar a capacidade de produção geotérmica, estando, paralelamente, a decorrer um concurso público internacional para a instalação de um parque eólico com 10 MW de potência.

Este conjunto de novos investimentos esgota a capacidade de integração plena de energia renovável nos próximos anos, pelo que a produção de energia eléctrica proveniente de uma instalação de incineração só poderia ser injectada na rede fora das horas de vazio, ou retirando de serviço, nessas horas de vazio, outras centrais com produção renovável, nomeadamente as geotérmicas. …”

(1) Açoriano Oriental, 16 de Abril de 2004
(2) Açoriano Oriental, 22 de Outubro de 2007
(3) Açoriano Oriental, 2 de Fevereiro de 2010

Teófilo Braga
Correio dos Açores, 22 de Junho de 2011