quarta-feira, 20 de julho de 2011

Energias


1- Dúvidas
De vez em quando sou surpreendido pela satisfação de algumas pessoas ao tomarem conhecimento, pela comunicação social, dos êxitos (lucros) alcançados pela empresa que nos Açores tem o monopólio da produção de electricidade. Não sendo estas pessoas accionistas, não entendo a razão do entusiasmo quando se trata apenas da distribuição de dividendos.
Não apresentando preocupações ambientais ou não sendo estas publicamente conhecidas, também não percebo a sua entrada em “transe” sempre que é anunciada a produção de mais um quilowatt-hora de electricidade renovável, mesmo quando esta não compensa o aumento do consumo doméstico ou não.
Nos últimos tempos, tenho ouvido falar num projecto que irá transformar a Graciosa numa ilha cem por cento renovável no que diz respeito à produção de electricidade. Se para mim tanto me faz que seja aquela ilha ou outra qualquer ou o ilhéu das Cabras, para outras pessoas, sobretudo para as que sofrem de algum bairrismo doentio, tal não é justo.
Assim, para alguns, a ilha eleita deveria ser Santa Maria, a ilha do Sol, pois foi a primeira a ser descoberta, por ter sido a primeira a possuir um parque eólico nos Açores e a segunda, em Portugal, logo a seguir à ilha de Porto Santo, e a energia solar ser a energia do futuro.
Para outros, devia ser a ilha das Flores a escolhida, pois actualmente já é a mais renovável ou a ilha do Corvo que é a mais pequena e menos populosa, sendo a meta, portanto, mais facilmente alcançável e por haver que desde há muitos anos projectos ou estudos (um deles megalómano) para o efeito.
Por último, não queria acreditar, há quem ache que a aposta devia ser na ilha Terceira, por duas razões: a primeira porque o projecto geotérmico está a correr, como se sabe, muito bem e a segunda por razões de fomento turístico já que seria possível anunciar a realização de touradas artísticas, sustentadas por apoios públicos diversos, e renováveis.

2- Certezas?
A certeza que tenho é que a aposta não deve passar apenas pelo uso de fontes renováveis e muito menos quando a produção se faz de forma centralizada e concentrada nas mãos de um só grande produtor, restringindo-se aos restantes a produção para auto consumo e de migalhas para injecção na rede. O físico Fritjof Capra, sobre este assunto, afirma mesmo que “o poder político das companhias de serviços públicos, relutantes em renunciar ao monopólio na produção de electricidade, é hoje o principal obstáculo ao rápido desenvolvimento das novas tecnologias solares”.
O caminho, como muito bem escreveu, em 2007, Eduardo Oliveira Fernandes, Professor Catedrático da FEUP e ex-consultor da ARENA e do Governo Regional dos Açores, tem de passar pela redução dos consumos que só “deverão crescer em correspondência com a necessidade do crescimento económico”. Mas este é um caminho que não agrada aos decisores políticos e “que abafa os delírios dos ‘vendedores de energia', em geral, navegadores de grandes naus”.
Entre nós, não tem havido uma aposta séria na redução de consumos. Pelo contrário, no que diz respeito à energia, e não só, o que se fomenta é a bulimia. Embora tenha muitas dúvidas na afirmação que faz relativamente à responsabilidade social das empresas que quanto a mim, muitas vezes, esconde a prática do chamado “greenwashing”, referindo-se a um caso concreto que pode ser aplicado à situação geral dos Açores, o professor Eduardo Oliveira Fernandes escrevia “…É caso para dizer que também aqui há lugar a falar de falta de cultura. A cultura ambiental, holística, que envolve a gestão racional, sustentável (?), de todos os recursos e que é pressuposto da atitude pró eficiência. Note-se que eficiência não é poupança, restrição ou austeridade mas é um exercício de saciedade, de racionalidade tecnológica, de responsabilidade social. Não entendemos, apesar de tudo, já bastante bem o que é a responsabilidade social em relação ao ambiente? Pois bem, incluamos a energia porque energia é ambiente “.
Se a curto prazo a aposta, em termos energéticos, terá de passar pelo consumo mais racional de energia, pela utilização mais inteligente das fontes não renováveis e pela utilização das fontes renováveis, a longo prazo, segundo Capra para “resolver a crise não necessitamos de mais energia, o que apenas agravaria nossos problemas, mas de profundas mudanças em nossos valores, atitudes e estilos de vida”.

T. Braga

Correio dos Açores, 20 de Julho de 2011