sexta-feira, 22 de março de 2013

Sem paciência para a mentira


Já tinha decidido não usar este espaço que me é dado pelo Correio dos Açores para escrever sobre touradas, pois já estou cansado de ouvir sempre os mesmos argumentos a favor daquilo a que alguns chamam festa brava e que do meu ponto de vista não passa de uma manifestação cruel e dolorosa de tortura, seguida de morte, nalguns locais na arena e noutros fora dela. Contudo, um recente debate na Assembleia Legislativa Regional e uma proposta de classificar a tauromaquia como património cultural imaterial de Santa Cruz da Graciosa, que foi aprovada, fez com que mudasse de opinião.
Não me vou alongar em comentar o debate pois não houve qualquer novidade nas posições dos partidos e para mim mais importante do que aquelas foi o trazer o assunto para a praça pública. De qualquer modo, não queria deixar de registar a posição do PSD completamente subjugada aos interesses de uma indústria com implantação apenas numa parcela restrita do território insular. A continuar assim, estou convicto de que aquela força partidária, não tendo nada de novo a apresentar, vai continuar na oposição por longos anos e correrá o risco de perder mais autarquias já nas próximas eleições.
Antes que me acusem de ser possuidor de uma cultura urbana e que por tal motivo nunca poderei compreender a tauromaquia, que segundo os seus defensores está associada ao que de melhor ou genuíno existe no mundo rural, queria que ficassem a conhecer um pouco mais da minha biografia.
Assim, nasci e criei-me numa localidade rural, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, onde a esmagadora maioria dos seus habitantes era ou criador de gado (lavrador) ou camponês (cultivo da terra) e a minha família não fugia à regra: minha mãe que foi costureira e doméstica era filha de um criador de gado e meu pai um camponês com pouca terra que teve que emigrar para o Canadá para proporcionar uma vida digna para toda a família. Durante a minha juventude ajudei nalguns trabalhos da terra, sobretudo nas colheitas, participava nas operações da mudança do gado, entre pastagens distantes, e ajudei na alimentação de bezerros que na altura era feita, nos primeiros meses, com leite em pó.
Face ao exposto parece-me que estarei livre da acusação de ser “menino de cidade” pelo que passarei à segunda acusação que me fazem: “nunca viu uma tourada, não pode compreender a sua beleza”
Para quem não sabe, vivi na ilha Terceira durante alguns anos e só tenho o arrependimento de uma coisa, a de não ter assistido a nenhum Carnaval. No que diz respeito a touradas provei de tudo um pouco, desde a tourada dos estudantes, passando pelas touradas à corda até às touradas de praça. Se a primeira era uma brincadeira de adolescentes (ou para habituar adolescentes) e grande parte do “espetáculo” se passava na rua da Sé onde qualquer transeunte conhecido era alvo do humor (“das bocas”) dos estudantes, as segundas, a que assisti em casa de vários amigos, eram um pretexto para as pessoas conviverem, pelo que com imaginação a presença do touro será dispensável. Já as touradas de praça são uma aberração, de sofrimento atroz para o animal, incompreensível no século XXI pelo que já deveriam ter sido abolidas há muitos anos.
Livre de duas possíveis acusações, resta-me pouco espaço para apresentar alguns argumentos, pelo que fico por tópicos de três deles:
Tradição- claro que a tourada é tradição em alguns locais e já o foi em muitos mais. O que não quer dizer que deverá continuar por este facto. A escravatura, a violência doméstica, o trabalho infantil também eram e foram (ou estão a ser) abandonadas, dando lugar a novas práticas e novas tradições.
Benefícios económicos- até hoje não foi apresentado nenhum estudo a demonstrar a criação de riqueza pela tauromaquia. Desafio os senhores deputados que o afirmaram a apresentarem os números. Mesmo que a indústria tauromáquica trouxesse qualquer riqueza aos Açores, o facto de estar manchada de sangue (touradas de praça) seria legítima a sua continuação?
Defesa do ambiente e da biodiversidade – esta é a maior mentira que está a ser difundida nos últimos tempos para justificar a presença de gado bravo em terrenos da rede Rede Natura 2000. Não é necessário qualquer título universitário para se perceber que a presença de um animal herbívoro de grande porte em áreas de vegetação natural não pode contribuir para a sua recuperação, a não ser que o mesmo tenha asas e coma planando, que tenha aprendido a distinguir plantas endémicas de exóticas ou que esteja treinado para fazer plantações de endémicas.
Teófilo Braga