quarta-feira, 16 de julho de 2014

JJDD



José Joaquim Delgado Domingos

Muito poucos são os professores universitários que não têm qualquer problema em vir para a praça pública denunciar as políticas ruinosas seguidas pelos governantes ou mesmo o compadrio de colegas com projetos desastrosos para a economia e para a qualidade de vida dos cidadãos de um país.
Uma das pessoas que fugiu à regra da subserviência aos poderes estabelecidos foi José Joaquim Delgado Domingos, professor catedrático jubilado do Instituto Superior Técnico, desde 2005, e que nos deixou no passado domingo, dia 6 de Julho, com 79 anos de idade.
Para quem não conhece a sua obra, recomendo a consulta da página “Textos de José J. Delgado Domingos (http://jddomingos.ist.utl.pt/) onde poderão ter acesso ao seu Curriculum Vitae resumido e a um conjunto de “textos pedagógicos e de intervenção pública bem como referências bibliográficas” que ele reuniu.
Tive o prazer de jantar uma vez em Lisboa com o professor Delgado Domingos a convite de um amigo comum, o Engenheiro Luís Tavares, onde conversamos sobre alguns projetos que os dois estavam a implementar no âmbito da associação “IDEA- Iniciativa para o Desenvolvimento, A Energia e o Ambiente” de que eu era um dos trinta e dois sócios fundadores.
Infelizmente, muito pouco foi concretizado pois a associação teve uma duração efémera. Contudo, foram publicados três boletins com textos de distintas personalidades do mundo científico e da luta ecológica, como José Carlos Costa Marques, Viriato Soromenho Marques, Jorge Paiva, Rui Cortes, Henrique Schwarz da Silva, Manuel Gomes Guerreiro, José Mattoso, Gonçalo Ribeiro Telles, Ilídio de Araújo, Fernando Santos Pessoa, Jacinto Rodrigues e Delgado Domingos.
No número dois do boletim “Iniciativa”, num texto intitulado “Energia Nuclear: para uns a energia, para os outros os resíduos”, Delgado Domingos, que segundo Viriato Soromenho Marques, “todos nós lhe devemos um contributo fundamental para impedir que Portugal entrasse no beco sem saída da energia nuclear”, escreveu a propósito dos que defendem a segurança do nuclear: “Essa segurança acaba sempre confiscando os direitos dos cidadãos. Porque os cidadãos que pensam, … ou podem começar a pensar de modo autónomo, são a arma mais temível para os vendedores dos dogmas e das drogas que os mantêm no poder”.
Ainda a propósito do mesmo tema, Delgado Domingos defendeu que a energia nuclear era mais do que uma simples forma de energia, sendo “um modelo de sociedade e uma cega visão de crescimento” e acrescentava: “visão cega, porque se recusa a admitir a evidência que é o colapso para que se dirige e que a finitude e estrutura do próprio planeta Terra inexoravelmente impõe. Demagógica porque ilude no crescimento global o crescimento da diferença, na qualidade de vida entre pessoas, entre regiões, entre países, e entre continentes. Desonesta, porque os mais pobres ficam com as promessas e os mais ricos com os seus frutos”.
Noutro texto, publicado num número especial da “Iniciativa”, Delgado Domingos não perdoa todos os que desvirtuam o conceito de desenvolvimento sustentável, e consideram que tudo se limita a “boas ou más oportunidades de negócio” e a soluções técnicas que resolvem todos os problemas, escrevendo o seguinte: “Este é o triste retrato da incultura que muita da nossa Universidade exprime, mostrando aonde pode levar a confusão entre Ciência e lobby quando se perdem as referências culturais e a cultura se transforma em mimetismo.”
Aquando do debate sobre a coincineração Delgado Domingues criticou os trabalhos da denominada comissão científica independente, tendo escrito vários artigos. Num deles, intitulado “A Coincineração e a Comunidade Científica”, acusa os membros da referida comissão de se terem enganado e de não terem vindo a público pedir desculpa. Segundo ele, “não só não o fizeram como substancialmente o agravaram com declarações públicas amplamente difundidas. Em linguagem científica, a este comportamento chama-se fraude científica”.
Empenhou-se politicamente, tendo colaborado com o MPT na altura em que vários militantes ecologistas, alguns dos quais oriundos dos Amigos da Terra- Associação Portuguesa de Ecologistas, faziam parte do mesmo, tendo sido cabeça de lista numa candidatura ao Parlamento Europeu.
A sua luta por uma Terra para todos não cairá no esquecimento.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 30387, 16 de Julho de 2014, p.14)