segunda-feira, 27 de julho de 2015

Alguns apontamentos a propósito do Dia Nacional da Conservação da Natureza


Alguns apontamentos a propósito do Dia Nacional da Conservação da Natureza

“Ainda pensamos em termos de conquista. Ainda não amadurecemos o suficiente para pensar em nós como uma ínfima parte de um vasto e incrível universo. Mas o homem é parte da natureza e a sua guerra contra a natureza é inevitavelmente uma guerra contra si próprio”(Rachel Carson)

O dia Nacional da Conservação da Natureza foi instituído, em 1998, através de uma Resolução do Conselho de Ministros, sendo primeiro-ministro António Manuel de Oliveira Guterres.

Com a instituição do dia, pretendeu-se, por um lado, sensibilizar a sociedade civil para as questões ambientais, através da criação de “um momento anual de especial reflexão sobre os problemas da conservação da natureza em Portugal e no mundo” e, por outro, “homenagear o movimento associativo de defesa do ambiente através de uma das suas mais prestigiadas instituições”, a LPN- Liga para a Proteção da Natureza que havia sido fundada a 28 de Julho de 1948, por iniciativa do Prof. Carlos Baeta Neves na sequência de um apelo do poeta Sebastião da Gama, surgido por ocasião da destruição de uma mata na Arrábida.

O meritório trabalho da LPN infelizmente não teve repercussões nos Açores pois, para além de alguns associados dispersos, nunca foi criado um núcleo daquela associação na região. Apenas se regista uma ténue ligação à LPN por parte do Centro de Jovens Naturalistas de Santa Maria criado e dinamizado pelo senhor Dalberto Pombo que infelizmente não teve ninguém que desse continuidade ao seu trabalho voluntário em prol do património natural dos Açores, como a sua memória impunha.

No que concerne à Conservação da Natureza, alguns passos foram dados, nos Açores, desde a criação das primeiras áreas protegidas, nos últimos meses do Estado Novo. Já sob o chamado regime autonómico, criou-se uma Rede Regional de Áreas Protegidas, criou-se uma Rede Regional de Ecotecas, deram-se alguns tímidos passos no combate às espécies invasoras, sobretudo nas Áreas Protegidas e elaboraram-se alguns documentos importantes como “Perspectivas para a sustentabilidade na Região Autónoma dos Açores”, prefaciado pelo Presidente do Governo Carlos Manuel do Vale César e com apresentação da Secretária Regional do Ambiente e do Mar, Ana Paula Pereira Marques.

Não podemos escrever que antes da tomada de posse do atual governo dos Açores estava tudo perfeito, nem que com o tempo se caminharia para lá, pois acreditamos que só são possíveis mudanças profundas se se optar por outro modelo de produção e de consumo. De qualquer modo, não pondo em causa os fundamentos da sociedade em que vivemos, sempre há a possibilidade da opção por um capitalismo mais ou menos “amigo do ambiente” e o que nos parece que está a acontecer é que se está a regredir de tal modo que já nem o discurso do desenvolvimento sustentável, que não põe em causa o modo de vida atual, é hoje uma bandeira dos atuais detentores do poder político. Com efeito, em vez das três vertentes, a ambiental, a económica e a social, parece que para eles só existe a económica e esta com os (maus) resultados que estão à vista de todos.

Com a junção da pasta do ambiente à da agricultura esta não terá sido beneficiada e o ambiente de certeza perdeu. Com efeito, passados treze anos continua uma miragem o reforço do “valor da componente ambiental na economia regional” defendido pelo presidente do governo regional dos Açores na I Reunião do Conselho Regional da Água, em 2003, e a conservação da natureza parece que deixou de ser prioridade, sendo dada primazia a atividades económicas que só subsistem porque são fortemente subsidiadas.

A conservação da natureza e da biodiversidade só serão possíveis se existir uma aposta séria na educação ambiental e esta ao longo dos anos tem sido relegada para um plano muito secundário.

Uma das principais causas da perda da biodiversidade é a expansão de espécies invasoras, nomeadamente nas Áreas Protegidas. É preocupante a situação atual que se carateriza pelo abandono das ações de erradicação que chegaram a ser implementadas, nomeadamente na Reserva da Lagoa do Fogo, na ilha de São Miguel.

Outro indicador que mostra algum retrocesso foi a aprovação de um Plano Estratégico de Combate às Pragas nos Açores, onde se confunde pragas com espécies endémicas.

Se a situação continuar a involuir como tem acontecido nos últimos anos, está-se a recuar para a época onde se entendia que a conservação da natureza era um empecilho ao progresso. Ou será que sempre se pensou assim e os discursos ambientalistas oficiais nunca passaram disso mesmo?

Teófilo Braga
(Atlântico Express 27 de julho de 2015., p.3)

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Feridos graves e mortos resultantes das touradas à corda


Notícia de 1963 (Correio dos Açores)

Comunicado MCATA: Feridos graves e mortos resultantes das touradas à corda


Feridos graves e mortos resultantes das touradas à corda

O Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia nos Açores (MCATA) condena veementemente a violência associada às touradas à corda que causa cada ano centenas de feridos, ligeiros e graves, originando também a morte de pessoas.

Foi recentemente tornada pública, através de um vídeo, a forma como duas pessoas foram gravemente vitimadas numa largada de touros inserida no cartaz das festas Sanjoaninas, as festas concelhias de Angra do Heroísmo. No entanto, o MCATA recebeu a denúncia de que uma outra pessoa teria igualmente sido colhida no mesmo lugar do Alto das Covas.

Desta forma, três pessoas foram assistidas e transportadas na traseira de um veículo para o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, onde receberem assistência médica, não tendo sequer sido utilizadas ambulâncias na deslocação dos feridos. O MCATA tem conhecimento de que ficaram internados devido aos ferimentos, sendo que um apresentou durante alguns dias um prognóstico reservado devido ao grau de lesão.

O MCATA tem vindo a alertar e sensibilizar as pessoas para o número de vítimas, feridos e mortos, provocado pelas touradas à corda e outros eventos tauromáquicos, nos quais as situações de violência gratuita são uma parte integral. Estima-se que sejam mais de 300 por ano o número de feridos, ligeiros ou graves, resultado das touradas à corda nos Açores. E em média morre uma pessoa por ano como consequência dos ferimentos, tendo sido registadas no mínimo três vítimas mortais nos últimos anos, nas ilhas de São Jorge, Graciosa e Pico.

O MCATA condena a organização e financiamento deste tipo de práticas por parte de algumas autarquias, que insistem em expor absurdamente os seus cidadãos a este grave perigo para a sua integridade física e em fomentar também o maltrato animal, sendo igualmente frequente nestas touradas que os animais resultem gravemente feridos ou morram.

Mas para além do financiamento das autarquias, há também a responsabilidade do Governo Regional dos Açores, que através de subsídios de diversas secretarias mantém apoios a uma indústria que vive destas práticas aberrantes, indiferente às numerosas vítimas que provoca, e revelando-se ainda um sorvedouro de fundos públicos.

O MCATA questiona, mais uma vez, como pode ser possível o Secretário Regional da Educação e Cultura ser conivente com estas situações, pretendendo elevar a Património da Humanidade uma prática violenta, tanto para as pessoas como para os animais e que não acrescenta nada de positivo à sociedade.

Até quando os açorianos vão permitir que a prática violenta da tauromaquia vitime e envergonhe toda uma região? Até quando o Governo Regional dos Açores vai ser cúmplice de situações destas?



Comunicado do
Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia nos Açores (MCATA)
http://iniciativa-de-cidadaos.blogspot.pt/
21/07/2015

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Ainda a propósito do Caldeirão


Ainda a propósito do Caldeirão

No último número do Correio dos Açores, recordámos que muito próximo da Estrada da Ribeira Grande existiu uma das bocas que permitia o acesso ao Caldeirão para onde alguns desumanos atiravam animais que acabavam por morrer de fome.
No mesmo texto, mencionámos a posição de Manuel Inácio de Melo que defendia que a abertura do Caldeirão devia ser entulhada para evitar a morte lenta de animais e relembrámos uma descida efetuada pelos bombeiros de Ponta Delgada de que resultou o salvamento de alguns cães.
Neste texto, vamos continuar a abordar o mesmo tema, dando a conhecer outras posições sobre a manutenção ou não do acesso ao Caldeirão, começando pela opinião do comandante dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada, Roberto Zagalo Cardoso
Em declarações ao Correio dos Açores, publicadas a 1 de fevereiro de 1963, o comandante Zagalo Cardoso defendeu a dinamitação da boca do Caldeirão “para provocar um desabamento de terras, que parcialmente faria desaparecer aquele abismo misterioso”, fazendo com que aquele deixasse de “continuar a ser prisão de animais e até escoadouro para crimes”.
Dinis da Silva, no dia 8 de fevereiro de 1963, escreveu sobre “Os perigos do caldeirão” que classificou como “lugar sinistro” que não só era feio como “também perigosíssimo, pois nenhum outro lugar, nesta ilha, melhor se ajeita para ocultar qualquer crime, em especial o do assassinato”.
Dinis da Silva, que foi chefe da Polícia de Segurança Pública, também descreveu uma descida anterior, realizada no tempo em que o comando dos bombeiros era da responsabilidade de Alfredo da Câmara, com o objetivo de investigar “dois crimes, que se presumiram de morte – e cujos cadáveres não apareciam: um homem e uma mulher, ele da Fajã de Cima e ela da Fajã de Baixo, na suspeita de que para ali tivessem sido atiradas as vítimas”.
Na referida descida, não foi encontrado nenhum esqueleto humano mas sim “animais das raças cavalar e asinina, cães, ainda em intensa decomposição o que tornava o ar pestilento e, consequentemente, irrespirável. Viram-se, ainda, esqueletos de animais, montes de ossos e, no meio daquele quadro tétrico, cães com vida, já nascidos naquela caverna!”
Dinis da Silva considerou pouco viável a proposta de Manuel Inácio de Melo de atulhar o Caldeirão já que seria muito dispendiosa dada a profundidade “daquela fossa”, “pois seriam precisas muitas toneladas de cascalho para o fazer” e recomendou que o assunto fosse abordado pelos técnicos e propôs que, enquanto não se encontrasse uma solução definitiva, fosse feita uma vedação que impedisse ou dificultasse tudo o que ali se fazia de anormal e perigoso”.
O Caldeirão que foi mencionado por diversos visitantes da ilha de São Miguel, entre os quais Webester, professor de Mineralogia da Universidade de Harvard, no seu livro “A description of the Island of St. Michael”(1820) e W. Halliday, espeleólogo norte-americano, na sua obra “Caves of the Azores. Na initial reconnaissance”(1981), terá sido tapado no final de 1972 ou nos primeiros dias de 1973, pois de acordo com um texto de Manuel Inácio de Melo publicado no jornal “Açores”. a 23 de janeiro de 1973, aquele colaborador escreveu o seguinte: “Tudo falhou e nada se fez! Mas agora, quem lá for, verá em lugar da cratera, um piso raso e direito, que foi cheio de entulho e enormes pedras, isto é, já não há Caldeirão”.
Todo em conta o que sabemos hoje, isto é, o sucesso em termos de utilização turística e como recurso de educação ambiental da Gruta do Carvão, a melhor solução para o Caldeirão teria sido a manutenção do seu acesso como defendeu, no jornal Açores, em texto publicado no dia 10 de fevereiro de 1973, o Padre Castelo Branco, nos seguintes termos:
“Convém conservar o “Caldeirão” no seu estado anterior, vedá-lo com gradeamento, até que seja dotado de escadaria, pela exigência do mais simples bom senso, para torná-lo acessível, em consequência do nosso grau de instrução. É que o turismo não vive exclusivamente de aviões, hotéis, pesca, etc., mas é dotado duma alma espiritual, que tem exigências artísticas”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30679, 15 de julho de 2015, p.14)

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O Papa, o ambiente e os animais


A propósito da Encíclica silenciada

Numa região onde (quase todos) os habitantes, se dizem crentes e seguidores da religião católica, estou a estranhar a falta de reações à recente encíclica do Papa Francisco “Laudato si”.
Espero que o silêncio seja apenas devido a falta de tempo para a leitura do texto, dada a sua extensão, e não a qualquer tentativa de atirar para o caixote do lixo um alerta que, apesar de já ter sido feito pelos movimentos ecologistas de vários matizes ao longo dos tempos, é dirigido tanto a crentes como a não crentes para que cooperem para que seja superada a crise ambiental em que o mundo está mergulhado.
Tal como qualquer outro, este documento terá mais do que uma leitura, dependendo dos olhos e do coração de quem o ler. Mas, uma coisa é certa a sua importância não pode ser menosprezada, pois trata-se de um apelo do líder de uma das instituições mais conservadoras do mundo, a igreja católica, ligada, ou obediente, aos interesses dos mais poderosos do Planeta.
Se há quem tenha recebido com muita satisfação a encíclica, há quem já tenha levantado a sua voz a criticá-la, como é o caso dos que beneficiam do crescimento económico sem ouvir “o clamor da terra” e o “clamor dos pobres”. De entre os que devem estar a espumar de raiva encontram-se os donos e defensores da indústria tauromáquica e de outras imbecis tradições que se traduzem em atos de selvajaria perpetrados sobre animais indefesos.
A propósito da defesa dos direitos e do bem-estar animal, já se pronunciou o presidente a associação Vida Animal, Jorge Ribeiro, que depois de afirmar que a encíclica é um dos documentos mais importantes da igreja, que lança um apelo a católicos ou não, cita algumas passagens da mesma que ou não serão lidas ou nunca serão compreendidas por quem, apesar de se dizer praticante de uma religião que condena a tortura, continua a tratar os animais como pedras de calçada e os outros humanos como bestas de carga.
Para elucidar o leitor, abaixo transcrevo algumas das citações da encíclica mencionadas pelo dirigente associativo referido:
“a indiferença ou a crueldade com as outras criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercutir-se no tratamento que reservamos aos outros seres humanos. O coração é um só, e a própria miséria que leva a maltratar um animal não tarda a manifestar-se na relação com as outras pessoas”.
“é contrário à dignidade humana fazer sofrer inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das suas vidas”.
Gostava de ter fé e acreditar que os católicos a partir desta encíclica passarão a deixar de promover barbaridades com animais associando-as oportunisticamente às festividades religiosas, mas o mais certo é a mesma continuar a ser ignorada como o foi a bula do Papa Pio V que proibiu as touradas nos seguintes termos:
“ (…) nós, considerando que estes espetáculos que incluem touros e feras no circo ou na praça pública não têm nada a ver com a piedade e a caridade cristã, e querendo abolir estes vergonhosos e sangrentos espetáculos, não de homens, mas do demónio, e tendo em conta a salvação das almas na medida das nossas possibilidades com a ajuda de Deus, proibimos terminantemente por esta nossa constituição (…) a celebração destes espetáculos (…).”
Esta encíclica, também, vai ao encontro de todos os que no movimento ecologista consideram absurdo a defesa de um crescimento económico ilimitado quando os recursos da Terra são finitos. A este propósito o Papa Francisco escreveu:
“Nunca tratamos a nossa casa comum tão mal (…) como nos últimos dois séculos… o ritmo do consumo, do desperdício e a mudança do ambiente superou a capacidade do planeta de tal modo que o atual estilo de vida só pode conduzir à catástrofe”
O papa Francisco, não se esqueceu, à semelhança dos defensores do decrescimento, de defender que está na hora “de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras partes”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30667, 1 de julho de 2015, p.14)
http://www.correiodosacores.info/index.php/opiniao/14812-a-proposito-da-enciclica-silenciada